sexta-feira, 29 de maio de 2009

90 anos da confirmação da Teoria de Relatividade

(Ronaldo Rogério de Freitas Mourão - O Povo) Em 1919, duas comissões de cientistas ingleses e norte-americanos se juntaram à dos brasileiros para observar o eclipse de 29 de maio de 1919; seus objetivos científicos eram bem diferentes. A meta mais importante era dos ingleses, que desejavam verificar experimentalmente as consequências da Teoria da Relatividade.

Não fosse a confirmação dessa teoria, durante o eclipse, este seria mais um eclipse entre os muitos observados. Sua importância vem do fato de que só a partir dessa época a Teoria da Relatividade e seu autor se tornaram universalmente conhecidos, tanto no meio científico como entre os leigos. Parece que a confirmação, através de um fenômeno astronômico que sempre foi cercado por uma atmosfera de magia, seguramente facilitou a enorme popularidade que desde então envolve a Teoria da Relatividade e a figura do seu criador Albert Einstein.

A comissão inglesa pretendia comprovar a previsão de Einstein, segundo a qual os raios luminosos, ao passarem próximo ao sol, deveriam sofrer um desvio duas vezes superior ao previsto pela teoria de Newton. Para verificar a realidade dessa conclusão einsteiniana, publicada em novembro de 1915, a Comissão Permanente de Eclipse da Royal Society e da Royal Astronomical Society, estimulada por uma comunicação lida por sir Frank Dyson, em março de 1917, decidiu organizar duas expedições.

As estações selecionadas, na linha de totalidade do eclipse, compreendiam a cidade de Sobral, no Ceará, e a ilha de Príncipe, no golfo da Guiné. Para a primeira estação foram enviados os astrônomos A.C.D. Crommelin, e C.R. Davidson, e, para a segunda, os astrônomos Cottingham, e Eddington. Todos esses pesquisadores ingleses pertenciam ao Observatório Real de Greenwich, e os instrumentos aos observatórios de Greenwich e Oxford.

A comissão inglesa chegou ao Pará a 5 de abril, pelo transatlântico Anselm. Seus membros foram informados de que nada estava preparado ainda, em Sobral, para recebê-los e, tendo em vista que teriam ainda mais de um mês de espera, resolveram desembarcar o instrumental e seguir viagem no navio até Manaus. Deixaram o porto de Belém em 24 de abril, no vapor Fortaleza, em direção à cidade de Camocim, onde chegaram após uma viagem de cinco dias. De Camocim a Sobral, o transporte se fez nos vagões da Estrada de Ferro Viação Cearense.

Uma enorme delegação os esperava na estação, inclusive os dois únicos habitantes que falavam inglês: o norte-americano John Sandford e o engenheiro Leocádio Araújo. O prefeito de Sobral, Coronel Vicente Saboya, gentilmente cedeu sua casa aos membros da comissão inglesa; nessa mesma casa já se encontravam instalados os dois membros da comissão norte-americana, o meteorologista Andrew Thomson e o geofísico Daniel Wise, ambos da Carnegie Institution de Washington, cujo objetivo era estudar os efeitos do eclipse no magnetismo terrestre e na eletricidade atmosférica. Essa comissão tinha como intérprete o professor H. de Lima, de Fortaleza.

Logo que chegou a Sobral, a comissão inglesa, com a ajuda de pedreiros e carpinteiros gentilmente cedidos pela prefeitura, começou a construção das colunas que iriam suportar os celóstatos e os tubos das câmaras astrofotográficas. Por outro lado, os cientistas brasileiros que haviam partido do Rio de Janeiro no dia 25 de abril, a bordo do vapor João Alfredo, só chegaram a Fortaleza no dia 4 de maio. Seguiram imediatamente pelo vapor Prudente de Moraes que, pelo seu pequeno calado, podia penetrar no porto de Camocim, onde desembarcaram no dia 7 de maio. Dois dias depois estavam em Sobral. A nossa comissão era chefiada pelo astrônomo Henrique Morize, diretor do Observatório Nacional.

A comissão brasileira tinha como objetivo o estudo da coroa solar, sua forma e disposição, assim como a análise espectroscópica de sua constituição. Caberia ao meteorologista dessa comissão instalar uma estação meteorológica permanente em Sobral e efetuar observações sobre a temperatura, pressão e ventos, pois havia suspeita de que esses elementos eram influenciados pela totalidade.

Entre os ingleses era grande a esperança de sucesso, uma vez que o eclipse do dia 29 de maio seria um dos mais favoráveis para comprovar a teoria de Einstein; além de a totalidade levar quase 6 minutos, o eclipse iria ocorrer numa região do céu onde havia um grande número de estrelas particularmente brilhantes. Nessa zona do céu onde iria ocorrer o eclipse, encontravam-se as Hyades, aglomerado de estrelas da constelação de Touro, facilmente visível a olho nu.

No dia 29 de maio o céu amanheceu completamente encoberto, com nuvens cúmulos, cúmulo nimbos e cirros-cúmulos. Às 7h10min, o céu começou a limpar a nordeste; logo depois, às 7h40min, estava completamente escuro. Uma abertura entre as nuvens permitiu a Morize constatar, às 7h46min, que o disco solar já estava mordido. Logo depois, o céu encobriu-se de novo; às 8h15min, caíram algumas gotas de chuva, e as nuvens baixas corriam de sudeste para nordeste. A oeste, o céu estava limpo, mas, exatamente sobre o disco solar, encontravam-se pesadas nuvens de cumulo-nimbos. Às 8h25min, uma abertura entre as nuvens permitiu ver o eclipse. O suspense era enorme. Imaginava-se que talvez não fosse possível observar a fase máxima, que deveria ocorrer, segundo as previsões de Lélio Gama, às 8h56min. Às 8h38min, uma nova aparição do sol, de alguns segundos, entre as nuvens; outra, às 8h40min, permitiu a Morize determinar que 0,7 do disco do Sol já se encontravam encobertos.

Para alegria geral, às 8h52min ocorreu uma grande abertura onde se achava o sol. Teve início uma série de fotografias. Morize informou ter visto os grãos de Baily na borda, durante o segundo contato, e as sombras volantes caminhando de nordeste para sudoeste; o eclipse realmente tinha sido um sucesso. Por outro lado, na ilha de Príncipe as nuvens haviam encoberto o disco solar. Assim, enquanto Eddington informava por telegrama à Royal Society que tinha esperanças de aproveitar algumas das fotografias obtidas em Príncipe, Crommelin telegrafava: “Eclipse esplêndido.” Davidson conseguiu sucesso em 15 de suas 18 exposições, e Crommelin em 7 de suas 8 tentativas. Um autêntico sucesso.

À noite, aproveitando a queda de temperatura, Davidson e Crommelin revelaram as fotografias, enviando no dia seguinte um telegrama à Royal Society, no qual informavam que 12 estrelas haviam sido registradas com os astrógrafos e somente sete com o telescópio de 10 cm.

Dois dias depois do eclipse, a comissão inglesa dirigiu-se a Fortaleza, voltando a Sobral em meados de julho para obter as fotografias da região do campo estelar ocupado pelo sol durante o eclipse. Essas fotografias, obtidas em julho, antes do nascer do sol, foram utilizadas para comparação com as outras, nas quais havia sol oculto pela Lua. Nessas fotos, como não havia a presença do sol, não deveria haver nenhum desvio. Quase dois meses depois do eclipse, Crommelin e Davidson dirigiam-se, a bordo do vapor Fortaleza, do Maranhão ao Pará, de onde embarcaram no transatlântico Polycarp para Liverpool.

Logo que as placas chegaram a Greenwich, os astrônomos Davidson e Furnar iniciaram a medida das placas fotográficas. Segundo um relatório preliminar de Eddington à reunião da Associação Britânica realizada em Bournemouth de 9 a 13 de setembro, da deflexão da luz situava-se entre 0,87 segundo de arco e o dobro deste valor. Esta notícia provisória do sucesso desta missão foi comunicada a Einstein no fim do mês de setembro de 1919, por um telegrama do seu amigo, o físico holandês Hendrik Antoon Lorentz (1853 -1928) de Leiden, onde a informação chegou trazida por Van del Pol que havia participado da conferencia de Bournemouth.

Antes mesmo que um resultado definitivo fosse anunciado, uma primeira notícia sobre os resultados do eclipse de 1919, confirmando o desvio da luz previsto pela teoria da relatividade, foi publicada, no Berliner Tageblatt de 8 de outubro de 1919. Acredita-se que o jornalista Alexander Moszkowski, autor deste artigo intitulado “Die Sonne brach’es anden Tag”, baseou-se em informações fornecidas por Einstein que, antes de 27 de setembro de 1919, data de sua carta postal na qual comunicou à sua mãe, que o eclipse havia confirmado a sua teoria.

Depois de quase três meses de trabalho minucioso, convocou-se, a 6 de novembro, uma reunião conjunta da Comissão do Eclipse da Royal Society e da Royal Astronomical Society. Coube ao astrônomo real, sir Frank Dyson, anunciar que os resultados das medidas confirmaram as previsões de Einstein. Com base em duas medidas feitas para cada fotografia, o valor previsto de um desvio de 1,75 segundos de arco para r0 = R, sendo R o raio do Sol, as medidas forneceram os seguintes valores: Sobral: 1,98 mais ou menos 0,12 segundos de arco. Príncipe: 1,61 mais ou menos 0,30 segundos de arco. No dia seguinte, entre as manchetes do Times, de Londres, encontrava-se a seguinte: “Uma revolução na ciência. As ideias de Newton estão arruinadas.”

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