sexta-feira, 29 de maio de 2009

Mudança na física

Para o professor Gildo Magalhães, da USP, a comprovação da relatividade geral não mudou a história da ciência. Entretanto, ele conta que o sucesso das pesquisas levaram à fissão nuclear e à construção da bomba atômica

(O Povo) Em entrevista por e-mail, Gildo Magalhães, engenheiro e professor livre-docente de História da Ciência na Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorado nos Estados Unidos, falou sobre a Teoria da Relatividade e como ela influenciou a história da ciência e da humanidade.

Segundo Gildo, existe a hipótese de que o final da 1ª Guerra foi considerado, por Eddington e Dyson - os astrônomos britânicos que fizeram a expedição do eclipse de 1919 - como uma boa chance de retomar os vínculos científicos com a Alemanha. Para isso, Eddington, em especial, se esforçou para colher dados que comprovassem a relatividade geral, uma teoria de um cientista então considerado “alemão”.

Ele acredita que, apesar da ampla repercussão, a reivindicação de comprovação da relatividade geral “não mudou significativamente a história da ciência, pois os efeitos da deflexão dos raios luminosos de estrela ao passar por massas como a do nosso Sol não eram considerados significativos no dia-a-dia”.

Mesmo assim, o sucesso das pesquisas que levaram à fissão nuclear e à construção da bomba atômica pelo Projeto Manhattan demonstrou, de forma espetacular, a previsão de Einstein e por isso ele se tornou o físico de maior prestígio mundial.

O POVO - Como a observação do eclipse em Sobral e na Ilha Príncipe permitiu que Einstein comprovasse definitivamente sua Teoria da Relatividade?
Gildo Magalhães - Há duas teorias defendidas por Einstein, a da relatividade restrita, onde aparece a equivalência entre massa e energia, e a da relatividade geral, que trata, entre outros assuntos, do campo gravitacional. As observações astronômicas do eclipse solar de 1919 se destinavam a comprovar a relatividade geral. Por outro lado, na história da ciência é arriscado falar em comprovação definitiva, pois houve os que discordaram na época e aind a há cientistas que discordam dos valores observados em Sobral e Príncipe, basicamente devido a turbulências atmosféricas.

OP - Por que foi dado mais ênfase à observação do fenômeno nas ilhas Príncipe e não no Ceará?
Gildo - Os relatórios de Príncipe foram divulgados antes, mas em termos científicos e da imprensa ambas observações causaram bastante impacto.

OP - Como esse fato mudou a história da ciência?
Gildo - Apesar da ampla repercussão, a reivindicação de comprovação da relatividade geral não mudou significativamente a história da ciência, pois os efeitos da deflexão dos raios luminosos de estrela ao passar por massas como a do nosso Sol não eram considerados significativos no dia-a-dia. Pode-se dizer que isto representou mais um golpe na chamada formulação “clássica” da física, onde mais forte ainda era a discussão em torno de outra teoria controversa, a da física quântica, que logo encontraria aplicações fenomenais, como no surgimento da microeletrônica. Mas a observação do eclipse chamou a atenção da opinião pública mundial para o autor da Teoria da Relatividade Restrita, impulsionando sua maior aceitação.

OP - O senhor poderia contar um pouco da história da vida de Einstein? Ele era mesmo mau aluno? Como foi sua trajetória até conseguir provar sua teoria?
Gildo - Ao contrário do que se costuma afirmar, Einstein (1879-1955) não foi um mau aluno, sendo melhor em ciências naturais do que em línguas ou literatura. Desde o ambiente familiar, esteve envolvido com eletricidade e acabou estudando numa escola técnica de nível superior. Em seu primeiro emprego, envolveu-se detalhadamente com questões bem práticas, pois era examinador de pedidos de patentes para inventos na Suíça. Em 1905, publicou uma série de artigos bem originais, com propostas inovadoras, o que fez seu nome ficar conhecido. Um desses artigos, o da explicação da lei do efeito fotoelétrico pela teoria quântica, foi responsável pela sua futura conquista do prêmio Nobel em 1921, depois de ganhar as manchetes dos jornais com as observações do eclipse em Sobral e Príncipe. Emigrou para os EUA em 1933, por causa da perseguição nazista aos judeus, embora não fosse religioso no sentido usual. O sucesso das pesquisas que levaram à fissão nuclear e à construção da bomba atômica pelo Projeto Manhattan demonstrou de forma espetacular sua previsão de conversão de massa em energia e Einstein se tornou o físico de maior prestígio mundial. Mesmo assim, ficou meio afastado da corrente principal da física contemporânea devido à sua recusa em aceitar a filosofia não causal implícita na visão dominante da física quântica. Ele morreu, cheio de glória, mas relativamente considerado fora de moda.

OP - O que mudou a partir da comprovação da Teoria?
Gildo - O trabalho de Einstein e outros para aperfeiçoar a Teoria da Relatividade Geral levou a um maior questionamento de paradigmas seculares na física e a propostas ousadas, como a ideia de que é o campo gravitacional que cria o espaço. Ou de que este pode ser descrito por uma geometria não-euclidiana, pela violação do postulado de que retas paralelas nunca se encontram.

OP - O período de tensão bélica (Einstein sendo alemão) prejudicou de alguma forma a Teoria da Relatividade? Ela poderia ter sido comprovada antes ou só mesmo a partir do eclipse?
Gildo - Existe a hipótese de que o final da 1ª Guerra foi considerada por Eddington e Dyson, os astrônomos britânicos que fizeram a expedição do eclipse de 1919, como uma boa chance de retomar os vínculos científicos com a Alemanha. Para isso, especialmente Eddington se esforçou para colher dados que comprovassem a relatividade geral, uma teoria de um cientista então considerado “alemão”. Uma comprovação diferente já ocorrera em 1915 com a explicação de perturbações na órbita do planeta Mercúrio, o chamado avanço do perihélio.

OP - O senhor poderia explicar de forma simples o que é a Teoria da Relatividade?
Gildo - É mais fácil explicar a Teoria da Relatividade Restrita. Supondo que não haja velocidade superior à da luz e que esta seja constante, segue-se da composição de movimentos. Como quando um carro ultrapassa outro ou cruza com outro, que não há tempo absoluto nem distâncias absolutas. Isso causa contrações ou aumentos de intervalos de tempo e comprimentos, mas são efeitos desprezíveis no cotidiano, a menos que as velocidades envolvidas sejam muito grandes, como a velocidade da luz (cerca de 300.000 km/segundo). Ou seja, no dia-a-dia esse efeito não se nota.

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