sexta-feira, 29 de maio de 2009

No mapa da ciência

Sobral será lembrada para sempre na história da ciência. Foi no interior do Ceará que uma das mais importantes teorias da física foi comprovada. Apesar de o trabalho sobre o eclipse visto na Ilha Príncipe (África) ter sido publicado antes, foi em Sobral que os astrônomos obtiveram os melhores resultados

(O Povo) “Foi um espetáculo deslumbrante o que se ofereceu às nossas vistas curiosas”. A edição de 29 de maio de 1919 do Correio da Semana registrou o fato até então nunca visto pelos cerca de seis mil habitantes de Sobral. A data do eclipse solar que confirmou a Teoria da Relatividade de Albert Einstein ficou registrada não somente na história da ciência, mas também na história da cidade, que hoje possui quase 177 mil habitantes. Quando foi confirmado o eclipse, duas expedições saíram em busca de comprovar as ideias de Einstein. Uma delas, liderada pelo inglês Arthur Eddington, foi para a Ilha Príncipe, na África. A outra, formada por integrantes do mesmo grupo de Eddington, foi mandada ao Brasil.

E por que Sobral foi escolhida? “O eclipse é a sombra da lua quando passa pela Terra. Tem uma largura razoavelmente pequena, de uns 100 km ou pouco mais. É uma faixa que vai se deslocando. Nesse caso, começou a sombra no Peru, passou aqui no Ceará, atravessou o Atlântico e entrou pelo continente africano. Nessa trajetória da sombra, onde se dá o eclipse total, os astrônomos procuraram cidades onde fosse possível estabelecer os seus telescópios e fazer suas observações”, explica o físico José Evangelista Moreira, da UFC. Os ingleses tinham bastante acesso à Ilha do Príncipe. Já Sobral, foi indicada pelo astrônomo brasileiro Henrique Morize, que era diretor do Observatório Nacional e era casado com uma sobralense.

Fenômeno
Como o eclipse ia passar por aqui, ele conseguiu trazer uma equipe de ingleses para ver o fenômeno em Sobral. “Na época, havia uma comunicação científica muito grande na área de astronomia. Isso porque eu tenho acesso a regiões do céu que outros não tem. A comunicação era fundamental”, conta o professor Emerson Ferreira, consultor pedagógico e científico do Museu do Eclipse, em Sobral. Segundo ele, os brasileiros divulgaram o local de observação - Sobral - por conta de a cidade ter uma infraestrutura. “Havia como hospedar as pessoas, havia capacidade de comunicação (o telégrafo) e transporte por meio da linha férrea”.

Na expedição que veio a Sobral, estavam dois britânicos, dois norte-americanos e 17 cientistas do Observatório Nacional. Os resultados comprovados em Sobral foram melhores do que os coletados na Ilha Príncipe. Mas Eddington - líder do grupo que buscava a comprovação da Teoria da Relatividade - estava na África e publicou seus resultados logo que retornou à Inglaterra. Conforme Dermeval Carneiro, o grupo que foi a Sobral foi mais cauteloso e ainda esperou dois meses para comparar novamente a posição das estrelas com e sem a presença do sol para anunciar o resultado da expedição. “Eddington estava ansioso para mostrar que as ideais de Einstein eram verdadeiras”, ressalta.

Para o professor Gildo Magalhães, engenheiro e professor livre-docente de história da ciência na Universidade de São Paulo (USP), mesmo com a antecipação dos resultados da Ilha Príncipe, em termos científicos e da imprensa, ambas observações causaram bastante impacto. O que o eclipse provou foi que as estrelas realmente sofrem uma curvatura ao ficarem próximas do sol. “Isso só poderia ser percebido no eclipse solar porque a lua passa na frente do sol. Assim, é possível enxergar as estrelas mesmo na presença do sol. Se houvesse realmente esse deslocamento, Einstein estaria certo. Ele não só previu esse movimento, como o ângulo exato dele”, explica Dermeval.

Aviso às pessoas
A orientação foi dada com antecedência. A população não precisava se preocupar. De acordo com o professor Emerson Ferreira, consultor pedagógico e científico do Museu do Eclipse de Sobral, os estudiosos ficaram preocupados com a reação das pessoas e divulgaram o que iria acontecer naquele dia.

“Eles disseram que estavam ali pra observar um fenômeno astrônomico que havia sido previsto, que a sombra da lua ia passar sobre a superfície da Terra. Era uma coisa natural, apesar de ser raro. Mas nem todo mundo entendeu”. Todo o processo, que começou por volta de 11h45min, durou cerca de uma hora e meia. O sol ficou coberto totalmente por cinco minutos. Naquele dia 29 de maio, o céu amanheceu nublado. Mas as nuvens começaram a desaparecer conforme chegou o momento do eclipse.

Quando o fim da manhã se transformou em noite, as galinhas subiram nos poleiros e os passarinhos procuraram seus ninhos. “Todo tipo de coisa aconteceu naquele dia. Um eclipse é meio assustador. A partir de certo momento, quando a lua cobre boa parte do sol, a temperatura vem caindo e de repente cai muito rápido. Esfria mesmo e você sente um calafrio na espinha”.

A combinação da lua cobrindo o sol, uma roda de fogo ao redor e o horizonte brilhando, parecia o fim do mundo. Isso assustou as pessoas. “Parte da população correu pras igrejas. Senhoras bateram panelas do lado de fora pra espantar os maus espíritos. As mulheres grávidas se esconderam para que os filhos não nascessem pretos”, conta o professor.

Visto da praça
Foi da praça da Paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio, em Sobral, que o grupo de astrônomos observou o eclipse solar de 1919. Oitenta anos depois, bem em frente à igreja, foi construído o Museu do Eclipse, que levou o nome do astrônomo Henrique Morize, diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, na época. A construção foi em comemoração à passagem dos 80 anos da comprovação da Teoria da Relatividade.

O Museu tem um moderno observatório, filiado à Associação Mundial de Astronomia. Entre os equipamentos de ponta, destaque para o telescópio mais potente e avançado das regiões Norte e Nordeste do Brasil. No Museu, estão em exposição a luneta e as fotos originais utilizadas para comprovar a Teoria de Einstein. Quem visita o museu, pode ver também fotos de galáxias e planetas, o primeiro mapa lunar do Brasil e o jornal The New York Times que noticiou a comprovação da Teoria da Relatividade.

Um simulador elétrico de eclipses e réplicas movimentadas do Sistema Solar mostra, de modo virtual, as experiências das expedições astronômicas. Conforme o professor Emerson Ferreira, consultor pedagógico e científico do local, o museu busca principalmente atrair crianças e adolescentes de escolas públicas. São cerca de 300 visitantes por mês.

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