segunda-feira, 25 de abril de 2011
Gagarin e o mundo de 1961
(Ethevaldo Siqueira - Estadão) Minha geração foi marcada profundamente pela conquista do espaço. Há 50 anos, no dia 12 de abril de 1961, acompanhávamos encantados a façanha do piloto soviético Yuri Gagarin, primeiro homem a dar uma volta em torno do planeta, numa nave Vostok 1, em apenas 108 minutos.
Lá de cima, numa frase simples e poética, o jovem cosmonauta descrevia: “A Terra é azul”. O sorriso juvenil e feliz do novo herói inundava as primeiras páginas de jornais e revistas de todo o mundo. Era uma das mais eficientes formas de propaganda de que se valiam a União Soviética e os comunistas naquele momento. Nossa geração, é claro, não podia permanecer imune àquela propaganda.
Por ironia, cinco dias depois que Yuri Gagarin dá a primeira volta em torno da Terra, os Estados Unidos patrocinam a desastrosa invasão de Cuba por exilados treinados pela agência de inteligência americana (CIA).
O primeiro grande impacto da conquista do espaço havia ocorrido em 1957, com o primeiro Sputnik. Do lado norte-americano, tentativas frustradas de lançamentos de satélites muito menores nos reforçavam a convicção de uma nítida superioridade soviética. No dia 12 de fevereiro de 1961, a União Soviética já havia lançado até uma sonda ao planeta Vênus, a sonda Venera 1.
O segundo cosmonauta soviético, Gherman Titov, vai ao espaço no dia 6 de agosto de 1961, fazendo seu voo orbital com 17 voltas em torno da Terra, durante 25 horas e 18minutos, a bordo da nave Vostok 2.
Nikita Kruchev, primeiro-ministro soviético, usou o voo de Titov para defender o ateísmo. Deve ter perdido milhões de simpatizantes cristãos e de outras religiões, ao ironizar a existência de Deus. Cito de memória suas declarações: “Mandamos um homem ao espaço para ver se Deus existia, mesmo. Gagarin não achou nada. Insistimos na tentativa e mandamos um segundo homem em busca do Padre Eterno. Titov deu 17 voltas em torno da Terra e comprovou: Deus não existe.”
O ano de 1961 daria um livro, apenas para analisar os grandes acontecimentos que marcaram a história do mundo e do Brasil. Vivíamos empolgados não apenas pela corrida espacial, mas também, assustados pelos riscos de um conflito nuclear mundial – pesadelo que sentimos de perto, aliás, na crise dos mísseis de Cuba, de outubro de 1962.
Há várias revoluções políticas e culturais em gestação no mundo em 1961. No dia 9 de fevereiro, os Beatles fazem seu primeiro show no Cavern Club, o clube de rock em Liverpool. Meses depois, o bailarino Rudolf Nureyev, asila-se na França, durante a visita do Balé Kirov a Paris.
No dia 20 de janeiro de 1961, toma posse o presidente John Kennedy, em sucessão a Dwight Eisenhower. No dia 4 de fevereiro, começa a guerra de independência de Angola, no processo de independência de dezenas de países, entre os quais a Argélia, o Congo, Serra Leoa e Tanganica (hoje Ruanda, Burundi e Tanzânia). No dia 13 de março, os EUA anunciam a Aliança para o Progresso. Tudo sob o plano de fundo da guerra fria.
No dia 5 de maio, os norte-americanos lançam Alan Shepard ao espaço, primeiro astronauta dos Estados Unidos a fazer um voo suborbital, a 187 quilômetros de altitude. A grande reação norte-americana vai ocorrer com o lançamento do Projeto Apollo, no dia 25 de maio, num histórico discurso do presidente dos Estados Unidos.
Em 25 de maio, o presidente Kennedy lança o Projeto Apollo, com o compromisso de “levar um homem à Lua e trazê-lo de volta com segurança” até o final daquela década. O astronauta Gus Grisson, segundo norte-americano a ser lançado ao espaço, faz seu voo suborbital no dia 21 de julho, pilotando uma nave Mercury-Redstone 4.
A 13 de agosto – não poderia ter sido em dia mais apropriado – russos e alemães orientais decidem iniciar a construção do Muro de Berlim, dividindo a cidade por 28 anos, até 9 de novembro de 1989.
Senti o impacto pessoal ao visitar o muro em 1985. Antes de entrar na Alemanha Oriental (República Democrática Alemã) passei algum tempo na plataforma de observação, do lado ocidental, em companhia de outros jornalistas brasileiros. Mudos, olhando por cima do muro, não sabíamos o que dizer, diante da visão daquela praça tétrica e deserta, dos prédios com suas janelas vedadas com cimento e tijolos, das sentinelas russas com seus fuzis e binóculos e do canal onde morreram, metralhados, algumas dezenas de infelizes que ousaram cruzar a fronteira de dois mundos. Alguns de nós comentávamos, constrangidos: “Era esse o socialismo com que sonhamos? Como pudemos ficar impassíveis – e até apoiar algo tão desumano e estúpido quanto este projeto?”
Há, portanto, muitas razões para que reflitamos hoje, não apenas sobre os 50 anos do voo de Gagarin, mas, especialmente, sobre o mundo de 1961, que as novas gerações parecem desconhecer.
As consequências de muitos acontecimentos de 1961 ainda se fazem sentir no mundo e no Brasil de hoje. A renúncia do ex-presidente Jânio Quadros, a 25 de agosto de 1961, por exemplo, deu início a um conjunto de mudanças institucionais artificiais que apenas adiaram o golpe militar que já se preparava e iria ocorrer, em sua plenitude, em 31 de março de 1964. Trazendo-nos 21 anos de ditadura.
Em nome da democracia.
----
E mais:
A Terra é azul! (Ciência Hoje)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário