segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Eclipses no Ceará II

Dali se podia avistar uma região celeste rica em estrelas brilhantes, como as lindas Híades, e o mais importante: céu aberto, sem nuvens, sem chuvas

(O Povo) Dona Rosinha e Henrique Morize tiveram um casamento feliz, com muitos filhos. Ela apresentou sua cidade de nascimento, Sobral, ao esposo. Por uma curiosa coincidência, o eclipse de 1919 - quando o casal completaria bodas de prata - ia poder ser observado desde o norte do Brasil à costa ocidental da África. Os lugares mais centrais para a observação do fenômeno eram a costa do Ceará e a ilha de Príncipe, na época uma possessão portuguesa. Morize já era diretor do Observatório Nacional desde 1908, e enviou um relatório a diversas instituições, sugerindo que viessem comissões de astrônomos e indicando Sobral como o melhor local para observações. Era a segunda maior cidade do Ceará, próspera, tinha telégrafo, uma estrada de ferro que vinha desde o porto de Camocim, dali se podia avistar uma região celeste rica em estrelas brilhantes, como as lindas Híades, e o mais importante: céu aberto, sem nuvens, sem chuvas.

Um dos que recebeu o relatório de Morize foi Eddington, que dirigia o Observatório de Cambridge e fazia parte de um comitê permanente para observação de eclipses, em Londres. Ele era um astrônomo reconhecido, e apaixonado pelas ideias de Einstein. O mundo estava em guerra. Ingleses e alemães eram inimigos, mas Eddington não partilhava das hostilidades, queria provar que a ciência estava acima dos instintos bélicos, e com o apoio do Astrônomo Real foi levantada uma fortuna para financiar as duas expedições. Estavam a ponto de desistir, pela intensidade da guerra, a passagem nos mares era demasiado arriscada com a presença de submarinos ou torpedeiros alemães, mas após o armistício de novembro a viagem se tornou possível, e tudo foi feito às pressas. O objetivo único era comprovar a ideia do jovem cientista alemão: a teoria da relatividade geral.

Durante dez meses o The Times publicou artigos preparados por Eddington sobre o eclipse de 1919, anunciando-o, tornando-o sedutor, explicando os objetivos das comissões. Despertou a curiosidade do público londrino de tal forma que se criou uma fascinante expectativa quanto aos resultados da comissão. Eddington partiu para a ilha africana, e os astrônomos Crommelin e Davidson foram enviados ao Ceará.

Chegaram a Belém bem antes do eclipse, e aproveitaram para conhecer a famosa floresta amazônica, encantando-se com as águas multicores dos rios, as árvores portentosas, aves, saúvas, ervas delicadas... enquanto os jornais zombavam, dizendo que em vez de comprovar teorias de inimigos aqueles cientistas seriam mais úteis se descobrissem um meio de fazer chover no Ceará. Havia, mesmo, na época uma mentalidade dominante de que a ciência deveria ter utilidade prática, ideia combatida por Morize em toda sua vida, dedicada à ciência pura. Os ingleses chegaram a Sobral um mês antes do eclipse, foram se hospedar em solares de moradores ilustres, com todo o conforto. Pensavam que iam chegar a uma aldeia sem recursos, e traziam na bagagem talheres, guardanapos, toalhas. Ficaram espantados quando viram mesas servidas com luxo: toalhas de linho, taças de cristal, louças refinadas, vinhos excelentes... Acharam a cidade mimosa, agradável, acolhedora, mas apontaram problemas, como a desigualdade social e a inércia diante da seca.

Logo em seguida chegou a expedição do Observatório Nacional, num vapor de baixo calado que podia fundear no porto de Camocim. Morize e alguns de seus companheiros traziam esposa e filhos. Cá estava dona Rosinha com as crianças do casal. No mesmo vapor veio uma comissão norte-americana composta por dois cientistas, Thomson e Wise, interessados em estudar o efeito do eclipse no magnetismo da terra e na eletricidade do ar. Os cientistas brasileiros vinham para fazer observações da coroa solar e instalar uma estação meteorológica que ficaria permanente em Sobral, como uma retribuição. Hospedaram-se em duas casas modestas que Morize havia alugado para aboletar, numa delas, os casados com as famílias, e na outra, os solteiros. Os primeiros dias foram para a instalação dos acampamentos, a minuciosa montagem dos instrumentos; depois vieram os testes.

A cidade estava envolvida na experiência. Diversos jornais locais comentavam o assunto, publicavam entrevistas com os membros das comissões, explicações do fenômeno, e afinal um arrazoado escrito por Morize, orientando os moradores a como se comportar durante o eclipse total do Sol: não fazer ruídos, nada de bandas de música ou fogos, manter o silêncio e a calma. Afinal, chegava o grande dia, 29 de maio de 1919.

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