quarta-feira, 23 de julho de 2014

O centenário do foguete espacial


(Teoria de Tudo - Folha) QUEM VISITA pela primeira vez o fabuloso Museu Nacional do Ar e do Espaço, em Washington, dificilmente reserva alguns segundos para olhar um punhado de tubos velhos e enferrujados junto da entrada sul do prédio. Ao se depararem com o famoso o módulo de comando da Apollo-11, as hordas de crianças que entram naquele saguão não costumam parar antes para ver aquelas ferragens que, se estivessem em cima de um telhado, poderiam facilmente ser confundidas com chaminés de cozinha.

Essa modesta geringonça, porém, é um dos foguetes originais de Robert Goddard (1882-1945), o inventor da tecnologia que efetivamente levou o homem até a Lua. É compreensível, então, que enquanto o mundo inteiro celebra o aniversário de 45 anos da chegada do homem à Lua, pouca gente se lembre de uma efeméride mais redonda: o centenário das primeiras patentes de Goddard para o foguete movido a combustível líquido.

Em 1914, foguetes não eram uma grande novidade em si, uma vez que chineses usavam versões movidas a pólvora desde o século 13. O emprego desse tipo de propulsão com fins de transporte já era uma proposta antiga, também, só que ninguém tinha conseguido fazer a ideia “decolar”.

Materiais sólidos em geral não eram opções práticas para tornar foguetes um meio de transporte manobrável, pois não é fácil cessar a queima de combustível sólido uma vez que ela começa. Foi o esquema de Goddard para uso de combustível líquido que finalmente deu uma autonomia razoavelmente longa para foguetes. A nova tecnologia dispensava o uso de tanques sob alta pressão e tornava possível ligar e desligar foguetes. (Combustíveis sólidos voltaram a ser usados em alguns tipos de veículos para exploração espacial, mas essa é outra história).

Goddard começou a trabalhar em sua ideia em 1913, quando recebeu um diagnóstico de tuberculose e teve de deixar seu emprego de pesquisador na Universidade de Princeton, em Nova Jersey. Ironicamente, a nova situação de ócio é que lhe conferiu tempo para trabalhar no projeto pelo qual tinha mais apreço após voltar para Massachusetts, seu estado natal. Seu novo foguete foi descrito numa patente em 1914, mas só após muito preparo e planejamento é que o cientista foi realizar seu primeiro experimento. Em 1926, ele fez decolar um foguete movido a gasolina, que entrava em cobustão ao ser misturada com oxigênio líquido, armazenado em outro tanque.

Eu só fui me dar conta da efeméride do foguete espacial hoje, após ler um ótimo post no blog do jornalista Cory Powell, contando sobre a recepção fria que as ideias de Goddard tiveram em sua época. Em 1920, Goddard publicou um livro intitulado “Um método para atingir altitudes extremas”, no qual especulou diversas possíveis aplicações para seu foguete. Uma delas era justamente conseguir chegar à Lua. (Goddard não chegou a propor o envio de astronautas, mas sim detonar um míssil no satélite natural da Terra, de forma que a explosão pudesse ser vista daqui, validando a tecnologia.)

Como conta Powell, não foram só as crianças que deixaram de se impressionar com a perspectiva futura dos foguetes que ele construía. Um editorial do “New York Times” sobre seu livro ridicularizou a ideia de que foguetes seriam capazes de acelerar no vácuo do espaço. “Isso contraria uma lei fundamental da dinâmica, algo que apenas o Dr. Einstein e outra dúzia de eleitos, poucos e qualificados, estão licenciados a fazer”, dizia o jornal.

Após a chegada de Neil Armstrong à Lua, justiça seja feita, o Times publicou uma impagável errata. Reconheceu que o ceticismo em relação à ideia de Goddard se baseava não apenas em uma compreensão equivocada das ideias de Einstein como também das de seu predecessor no rol de grandes gênios da física, Isaac Newton. Naquele ano, enfim, o foguete de Goddard entrou para o rol das coisas impossíveis que se tornaram possíveis.

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