terça-feira, 23 de março de 2010

De herbário a dromedário (Comissão Científica do Império)

Livro resgata memória da primeira expedição científica feita por brasileiros no país e argumenta: embora lembrado principalmente por acontecimentos pitorescos, o grupo produziu coleções importantes para museus nacionais.


Desenhos e aquarelas da paisagem cearense foram um dos legados da Comissão Científica do Império. A arte é de José dos Reis Carvalho, pintor da expedição (reprodução / 'Comissão Científica do Império: 1859-1861').

(Ciência Hoje) Interior do Ceará, 1859. Em meio aos vilarejos e comunidades rurais, um grupo de ‘doutores’ viajava, catando amostras de pedras, plantas, insetos e outros bichos. Com equipamentos modernos para a época que pareciam “arte do demônio” aos olhos dos locais (como conta o escritor cearense Domingos Olímpio em seu romance), eles observavam o céu e fascinavam a população com máquinas fotográficas. Tratava-se dos integrantes da chamada Comissão Científica do Império, a primeira expedição exploratória feita por brasileiros no país.

Com o objetivo de acabar com os erros cometidos por naturalistas estrangeiros em suas descrições e estudos sobre o Brasil, esse grupo de “científicos” – como eram chamados pelos cearenses – produziu, após dois anos e cinco meses de viagem, coleções que integram até hoje museus brasileiros. Uma grande ambição, entretanto, não foi concretizada: a produção de uma publicação científica com os resultados da expedição.

É de certa forma para preencher essa lacuna de dois séculos que a historiadora Lorelai Kury, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), organizou o livro Comissão Científica do Império: 1859-1861. Para comemorar os 150 anos da comitiva, completados em 2009, Kury convidou um time de estudiosos em história da ciência para debater e comentar os feitos – e desfeitos – do grupo que ajudou a sedimentar uma ciência brasileira.


Entre os nomes que assinam os artigos, estão a geóloga Silvia Figueiroa, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a bióloga Magali Romero Sá, da Fiocruz, além da própria Kury. Os temas abordados vão desde os trabalhos etnográficos realizados por membros da Comissão até a formação de coleções para museus brasileiros.

O resultado, afinal, é um livro ‘de mesa’, imponente, no qual a densidade acadêmica dos textos é equilibrada pelas belas ilustrações e pinturas feitas por membros da comitiva no decorrer da viagem. “Por isso, pode interessar tanto a pesquisadores com um foco específico como a pessoas que apreciem a arte e o século 19 em geral”, comenta Kury.

Os museus agradecem
A Comissão era composta por pesquisadores importantes do Museu Imperial (atual Museu Nacional) e membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) – como o poeta Gonçalves Dias, o botânico Francisco Freire Alemão, o engenheiro Guilherme Capanema e o ornitólogo Manuel Ferreira Lagos.

Embora estudiosos argumentem que é difícil precisar quando se deu o estabelecimento da ciência no país, a formação de uma comunidade científica brasileira teve um propulsor claro. “Uma das grandes realizações da Comissão se deu no sentido de ajudar a expandir um grupo nacional de cientistas”, explica Kury.

Ao final da viagem, o grupo trouxe uma extensa coleção zoológica, botânica e geológica, além de exemplares de artesanato cearense, desenhos e aquarelas, que ilustram as páginas do livro. Todo esse legado resultou em um aumento significativo das coleções do Museu Nacional e do Museu Imperial. O primeiro, por exemplo, ficou com o denso e até hoje consultado herbário do botânico Freire Alemão.

O martim-pescador-pequeno (‘Chloroceryle americana’), comum à beira de rios, manguezais e lagos, em ilustração feita a partir da coleção de zoologia reunida pelo ornitólogo Manuel Ferreira Lagos (reprodução / 'Comissão Científica do Império: 1859-1861').

‘Comissão das Borboletas’ e outros apelidos
Mas por que, com tanto investimento do Império, a Comissão não conseguiu levar adiante o projeto de uma grande publicação? Para Kury, os motivos para esse relativo fracasso vieram de várias instâncias. “Além de não haver uma comunidade de cientistas brasileiros que desse continuidade à produção da Comissão, houve também imprevistos que prejudicaram os materiais da viagem”, conta a historiadora.

A sociedade, em geral, também não se mobilizou muito em relação à Comissão. Muito pelo contrário: havia total descrédito perante seus integrantes e objetivos. “Naquela época, se tinha uma visão da ciência totalmente aplicada a um objetivo concreto e econômico, como a busca por ouro”, explica Kury. “Por isso, todo o trabalho de pesquisa mais básica era visto como supérfluo.” Não à toa, um dos (muitos) nomes jocosos conferidos ao grupo foi ‘Comissão das Borboletas’, numa alusão à suposta superficialidade à qual ela se dedicava.

A própria memória da expedição ficou muito mais marcada por alguns acontecimentos pitorescos e picantes do que pelas coleções que formou e textos que produziu. Uma das histórias mais comentadas é sobre a tentativa de aclimatação de dromedários no Brasil, que trouxe 14 desses animais, acompanhados de quatro argelinos, à capital cearense. Também a fama dos membros da Comissão de namoradores lhes conferiu um apelido inusitado: ‘Comissão Defloradora’.

A Comissão Científica do Império trouxe da África 14 dromedários e tentou aclimatá-los no Ceará, sem sucesso. O episódio é uma das histórias mais contadas sobre a expedição (reprodução / 'Comissão Científica do Império: 1859-1861').

Bem-sucedida ou não, a Comissão Científica do Império sem dúvida contribuiu para a ideia de que o Brasil podia ele mesmo fazer ciência. “A elite do país, porém, não estava convencida disso, e só valorizava a ciência que tivesse aplicação evidente e imediata”, comenta Kury. “Hoje, pelo menos, conseguimos perceber a importância e o espírito de vanguarda da Comissão.”

Um comentário:

  1. EU NAO QRIA ISSO MAIS ESTA BOM LI TUDO PERDI O TEMPO ATOAH HEHE ' PROCURO OTRAS COISAS
    OBRIGADO
    PELA
    CONPREENÇÃO
    A
    TODOS!

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